ORIKI 2 … continuação…

Lá vai Badê atravessando o mercado da carne, os taboleiros das vendedoras de caramujos, as tendas das feiticeiras que vendem macacos, lagartos e sapos secos, as calabaças das verdureiras cheias de legumes e frutas, os montes de inhames, de mandiocas e as panelas de barro. Pulou o canal do esgoto e chegou á parte mais recolhida do mercado onde há sempre uma  penumbra  e choro de criança nova. As mulheres formam aqui a aristocracia do mercado. Negociam com joias, fazendas tecidas a mão, fitas, objetos rituais, jogos, contas e bonecas. A unica ligação deste mercado com o outro é pelos fundos, através da ponte que Badê pulou, sobre o rego de agua onde correm detritos. Pela frente a entrada é espaçosa e cercada por tendas de mercadores de fazendas. O aparecimento de alguma pessoa branca ou de um rico chefe faz o mercado estremecer de alto  a baixo. As vendedoras deixam os filhos no chão e esperam, com os sentidos aguçados. Mas quando o visitante é branco a meninada avisa de longe gritando : "Oimbô ! Oimbô " . Então as brigas e discussões são fatais. Cada qual procura agarrar o fregues, em geral simplorio, que pagará até o triplo do preço.
   Badê parou perto de uma conhecida de sua mãe, fez uma ligeira vênia e disse :
– "Ekutilá" Que a morte não te surpreenda enquanto estás vendendo no mercado.
   Satisfeita por ouvir a saudação especial para mulheres mercadoras ela riu e respondeu :
-" Ekabô" Que a morte não te surpreenda enquanto estás chegando.
   A comida que vendia cheirava de encher a boca de agua. Badê pediu banana frita com pimenta, batata doce cozida e arroz. Temperado com pimenta vermelha em pó. Tomou tamberm uma cuia de vinho de palmeira que comprou de um vendedor recem chegado da roça com calabaças cheias e deliciosamente fescas.
   Pouco depois surgiu o Obá do Niger. Era alto, gordo e de peito estufado, Vestia agbadá, branco, bordado, sobre calças largas, sokótos de veludo azul. O fila na cabeça era conico, imitando coroa, bordado de misangas douradas. Caminhava debaixo de enorme guarda-sol , seguro por um servo. Abanava-se com abebê de vime. Usava nos pulsos argolas de coral, pulseiras de cobre e correntes de ouro. Nos pescoço, colares de coral, de seguí, lagdbás, intercalados com discos de ouro, fios de búzios, contas de Gana e de Bida. Seus olhos miravam alto. Inclinava levemente a a cabeça para traz como convém ao Obá do Niger. As mercadoras de jóias e fazendas silenciaram subjugadas pela imponência. Uma jovem que tomava conta dos irmãos sonhou ser iaô daquele grande rei. Atraz do Obá, como de ser, vinha a princesa acompanhada por duas amigas e companheiras de idade, mas só a Princesa do Niger usava colares de coral. seguì e o precioso monjoló, a conta da dona do seu rio. Uma argolinha do mais fino ouro atravessava sua narina direita. Aquele aro delicado dava-lhe muita graça. Suas marcas tribais eram pintadas de tinta azul. Quando o Obá do Niger andava, os panos de sua roupa espalhavam perfumes porque tinha o corpo lavado e nunca transpirava. Se o pai cheirava a flor, a princesa era o proprio jardim. Lembrava o perfume da madeira do cofre misturado com o de certas folhas que rescendem de madrugada e o aroma do jambo maduro.
   Ela riu para as amigas e sem saber porque Badê riu tambem. Apertou o cofrinho no peito,  mas não teve coragem de chegar perto. Não podia despregar os olhos de moça tão linda e risonha. As marcas tribais levinhas acentuavam o brilho dos olhos, a brancura dos dentes, as covas da face.
   Tambem ela não olhava para o chão. Nem reparou nos meninos nuinhos que a olhavam fascinados. Fez mesmo expressão de contrariedade quando um deles, pequenininho, foi  engatinhando, tocar nas contas de su a sandalia. A princesa encolheu o pé e mudou de lugar. Badê estremeceu. Encantado pelo pé e pelas contas tinha vontade de pegar na sandalia, de bulir com a argolinha do nariz. Em pensamento apoiara a criança.
  Tudo era belo e fulgurante na pessoa da Princesa do Niger. Lembrava madrugada depois de chuva. Seu corpo era enxuto como um dia de harmatan e seu guelê dava voltas na cabeça. muito engomado e terminando em pontas largas que nem tenda de mercador de tapetes. Seu riso parecia de agdigbô, seu andar, dança de povo das aguas. Sentado estava Badê e sentado ficou.
   Assim como os grandes navios que atravessam a barra do porto de Lagos e surgem de repente enormes na beira da Marina, assim ela cresceu perto dele e se afastou.
  O Obá do Niger escolheu um tabuleiro do jogo chamado aiô, enfeites de ouro para a esposa mais nova e pano de açookê para a mais velhas. Levou tambem adirês e panos de costa para suas outras mulheres. A Princesa do Niger escolheu tecidos feitos a mão, rendas, fitas, contas e linha. As amigas enrolavam os panos nas ancas e na cabeça para que ela pudesse ver o efeito. A compra durou muito tempo. Nem o Obá nem a princesa disicutiram os preços. A arte de mercar foi praticada pelo servo e pelas amigas. Quando surgia na discussão algum dito espirituoso o Obá ria mas não olhava para baixo. A Princesa ria depois do pai, em seguida suas amigas e finalmente as mulheres do mercado faziam coro de gargalhadas. O mesmo acontecia com as caras de espanto, a mimica depreciativa das mercadorias, os gestos convincentes.
   Afinal o preço ficou assentado, o Obá atirou desdenhosamente moedas sobre o tabuleiro mais proximo, virando as costas pára significar que não deseja troco.
-" Adupé ! Adupé ! "  – repetiu a mercadora, agradecendo.
– Todos iam dizendo "Ekaibó" até a volta !  "Elcaspan " Boa tarde.
   Badê continuou sentado, apertando o cofre ao peito.
   O navio claro e cheiroso passou de novo perto dele. Cobriu o horizonte. sacudiu a proa, balançou a popa e zarpou para o mar grande, sumindo-se no oceano.
   Badê continuou sentado até a noite, sonhando com os olhos dela olhos de pincesa que não miram baixo e nem sequer suspeitam que um jovem carapina abraça um cofre talhado em madeira de lei.
 
… continua… 

Sobre Umberto Seraphini

Caminho como um lobo solitário, se me dou, é porque encontro em ti um lobo igual.
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